População acha que não há mais epidemias no país, diz pesquisador

Referência em vacinas no país, Akira Homma diz que há potencial para novo surto de febre amarela.

Estelita Hass Carazzai
CURITIBA

Assessor científico sênior da Fiocruz e uma das principais referências em vacinação no país, o pesquisador Akira Homma, em entrevista à Folha, falou sobre a possibilidade de um novo surto de febre amarela no verão, e defendeu a vacinação como uma das principais medidas para combater a doença.

“Nós somos vítimas do nosso próprio sucesso; a população se sente segura, acha que não tem epidemia”, afirmou o médico, que trabalha na unidade produtora de vacinas da Fiocruz, a Bio-Manguinhos, e foi presidente da fundação entre 1989 e 1990.

 Akira Homma, especialista em vacinas e assessor científico sênior da Fiocruz

Akira Homma, especialista em vacinas e assessor científico sênior da Fiocruz – Agência O Globo

Homma alerta que a febre amarela está avançando para o Sul do país nos últimos anos, e cita uma recente pesquisa da Fiocruz que demonstrou que o vírus se espalhou numa velocidade de aproximadamente três quilômetros por dia pela região Sudeste, ao longo do ano passado.

Para ele, não há risco de desabastecimento de vacina, e o Brasil pode aplicar, com segurança, as doses fracionadas. “Não é vacinação de baixa qualidade; nós temos dados: ela protege da mesma forma, porque a potência da nossa vacina é altíssima”, defendeu.

Qual a chance de o Brasil enfrentar um novo surto de febre amarela neste verão? Existe potencial para isso. No ano passado, a febre amarela desceu para o Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo. E imunizou-se muito nessas regiões. Mas o problema é que o vírus parece estar avançando para o Sul, numa velocidade de três quilômetros por dia [referência à taxa média de dispersão do vírus na região sudeste, durante o surto de 2017, segundo pesquisa recente da Fiocruz].
E essa região não foi objeto de campanha de vacinação. Há uma possibilidade de um grande contingente da população estar suscetível à febre amarela. Agora, com o verão, a temperatura vai se elevar, e vai chover. A possibilidade [de um novo surto] está colocada.

Qual deve ser a estratégia de vacinação no país, na sua opinião? Tem que ser muito bem planejado e muito bem comunicado à população. A população precisa saber dos fatos reais. Por exemplo, houve um grande problema com a vacinação fracionada no ano passado porque o ministério não informou adequadamente a população. A nossa vacina, numa dose normal, tem muito mais potência vacinal, muito mais antígenos, do que o necessário.

Isso quer dizer que a vacinação fracionada é segura? Nós fizemos um estudo, que está publicado; temos dados e evidências científicas. Nós diluímos a vacina. E mesmo diluída em dez vezes, a vacina ainda tinha soroproteção similar à dose completa. Só que, para aplicar isso, eu teria que preparar uma formulação de vacina diferente, e, para isso, eu preciso de autorização da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária].

Para não mudar nada, nós propusemos que, em vez de usar uma dose de 0,5 ml, por exemplo, você utilize 0,1 ml, que é um quinto da dose. Um quinto da potência. Mas nós não mudamos nada na vacina. É tudo igualzinho. Você reconstitui a vacina igualzinho; é a mesma qualidade. Só que é fracionado.
E funciona da mesma forma? Funciona. A produção de anticorpos ocorre no mesmo nível que a dose completa. Este ano, nós entregamos mais de 40 milhões de doses [de vacina contra a febre amarela]. Se adotarmos doses fracionadas, serão 200 milhões de doses. Por isso, eu tenho segurança: se fizermos um planejamento correto, organizado, vacinando primeiro as regiões de maior risco, haverá vacina para todos.

No último ano, o Brasil viveu a reemergência de doenças como a febre amarela e o sarampo. O que aconteceu? A vacinação fracassou? Eu já falei isso: nós somos vítimas do nosso próprio sucesso. Porque a vacinação é um programa altamente bem-sucedido no Brasil. Nós eliminamos a poliomielite e o sarampo do país. A população se sente segura, acha que não tem doença. Nós não temos mais epidemias, não temos mais a ocorrência corriqueira de doenças com o sarampo, caxumba, rubéola.

Mas há outros motivos [para a queda nas taxas de vacinação]. Por exemplo, a dificuldade de acesso aos postos de saúde. Todo mundo tem que trabalhar, não tem quem leve as crianças para se vacinarem. Há também a questão financeira: os municípios estão tendo muitas dificuldades, e frequentemente não conseguem oferecer serviços de vacinação de uma forma eficaz, pró-ativa. É uma questão complexa.

Veja a última campanha de vacinação, para sarampo e poliomielite: houve muita informação sobre ela na mídia. Eu nunca vi tanta divulgação, todo dia. Mas a resposta da população não foi o que a gente esperava. A gente precisava atingir 95% das crianças. No Rio de Janeiro, a gente só conseguiu esse percentual dois meses depois. Dois meses!

Em 1980, quando foi lançado o programa nacional de imunização, com vacinação maciça para poliomielite, nós conseguimos isso em dois dias.

Mas o que está impedindo as pessoas de procurarem a vacina? É um problema complexo. Não é mais prioridade para a população se vacinar. Nós temos que encontrar meios de convencer esse pessoal a se vacinar. Falam em reações adversas: “Ah, por que eu vou tomar vacina, se tem reação?” Mas o custo-benefício da vacinação é muito maior do que as poucas reações adversas que uma vacina pode dar.

Febre, dorzinha e outras pequenas reações são revertidas em dois, três, quatro dias. E o custo-benefício é muito maior do que ter a doença. O custo do tratamento, a carga emotiva… é muito melhor se vacinar. Sem dúvida.

Qual a influência dos movimentos antivacina nessa questão? Isso deve impactar, porque as pessoas que já não queriam se vacinar usam essas informações. Mas é fake news.

A gente deve informar sobre os benefícios da vacinação, a necessidade de se vacinar. A vacinação dá proteção individual, mas a proteção coletiva só é conseguida quando você tem alta cobertura vacinal. Por isso é importante que cada um se vacine. Está protegendo não só a si, mas à família, ao coletivo.

A vacina é a principal forma de prevenir a febre amarela? A vacina é a única forma de proteger individualmente, mas nós também temos que controlar o mosquito Aedes aegypti na cidade. Isso é absolutamente importante, pois você diminui a chance de contaminação.

Fonte: www.folha.com.br