Subfinanciamento limita expansão do SUS, maior sistema público de saúde do mundo

Brasil é referência em atenção primária, mas há

gargalos no acesso a tratamentos complexos

Cláudia Collucci
SÃO PAULO

Reconhecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como o maior sistema gratuito e universal do mundo,

o SUS chega aos 30 anos de existência com muitas vitórias e inúmeros desafios, em especial, o de encontrar meios

para garantir a sua sustentabilidade.

O tema foi debatido na quinta edição do Fórum Saúde do Brasil, realizado pela Folha, nesta segunda-feira (23),

com patrocínio da Amil e da Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios).

“O SUS é uma conquista da população que não pode ser desprezada. Ele aumentou o acesso dos brasileiros à

saúde de uma forma impensável 30 anos atrás”, afirma Ana Maria Malik, que é coordenadora do GVsaúde,

programa de gestão em saúde da Fundação Getulio Vargas.

O médico Marcos Marzollo visita seu paciente Juarez Lopes, 62, diabético e deficiente visual que mora sozinho na comunidade de Mont Serrat, uma das mais vulneráveis de Florianópolis; a capital catarinense é líder em cuidados de atenção primária no Brasil
O médico Marcos Marzollo visita seu paciente Juarez Lopes, 62, diabético e deficiente visual que mora
sozinho na comunidade de Mont Serrat, uma das mais vulneráveis de Florianópolis; a capital
catarinense é líder em cuidados de atenção primária no Brasil – Lalo de Almeida/Folhapress

 

Hoje, sete em cada dez brasileiros dependem exclusivamente do sistema público de saúde. O

Programa Nacional de Imunização, responsável por 98% do mercado de vacinas do país, é um dos destaques.

O Brasil garante à população acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS.

Também é no Sistema Único de Saúde que funciona o maior modelo público de transplantes de órgãos do

mundo.

Mais de 90% dessas cirurgias realizadas no país foram financiadas pelo SUS. Os pacientes possuem

assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, operação, acompanhamento e medicamentos

pós-transplante.

O sistema dá ainda assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV,

doentes de Aids, pacientes renais crônicos, com câncer, tuberculose e hanseníase.

O programa ESF (Estratégia Saúde da Família), criado oficialmente em 1994, também é objeto de

reconhecimento internacional.

“O Brasil é referência para qualquer país que queira aprender sobre atenção primária”, afirmou o inglês

Thomas Hone, pesquisador no Imperial College of London e que estuda sistemas universais de saúde.

Pesquisas demonstraram que a expansão da atenção primária teve impacto na redução de mortes infantis,

doenças cardiovasculares e doenças infecciosas, entre outras.

O ESF tem diretrizes federais que especificam áreas estratégicas a serem atacadas, como por exemplo

hipertensão, diabetes, tuberculose e saúde de mulheres e crianças.

Mas o programa está estagnado, principalmente nos grandes centros urbanos, com uma cobertura

média de 65%.

“As pesquisas mostram o quanto o país poderia ganhar se tivéssemos uma cobertura universal, de 100%,

com número de equipes e de insumos necessários”, afirma Thiago Trindade, presidente da SBMFC

(Sociedade Brasileira de Medicina de Família e de Comunidade).

O modelo tem inspirado planos de saúde a mudar a forma de assistência, que hoje é concentrada em

especialistas e hospitais.

“Nossos alunos frequentam postos de saúde e unidades de atenção básica desde o início do curso,

como forma de estimular o interesse pela carreira na área de medicina de família”, diz Sidney Klajner,

presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que tem uma

faculdade de medicina.

Se por um lado, o país teve ganhos na atenção primária, persiste o gargalo no acesso a tratamentos de

média e alta complexidade, sempre com longas filas de espera.

Parte do problema reside na desorganização da rede de saúde, segundo diagnóstico de Marco Akerman,

professor titular do departamento de política, gestão e saúde da faculdade de saúde pública da USP.

“No Brasil, continuamos tratando a fila por ordem de chegada e, dessa forma, não atendemos os pacientes

mais vulneráveis primeiro”, disse Akerman, durante o fórum.

Uma atenção primária mais resolutiva conseguiria solucionar até 80% das demandas em saúde,

o que reduziria a necessidade por especialistas, de acordo com a estimativa do pesquisador Hone,

do Imperial College of London.

No Reino Unido, segundo ele, há uma forte regulação que determina em quais cidades e regiões

os médicos devem ser alocados para evitar a falta de mão de obra e a longa espera.

Os especialistas são unânimes em citar o subfinanciamento crônico como um dos principais entraves

ao sucesso do SUS.

Por ano, União, estados e municípios investem perto de R$ 240 bilhões no setor, para atender 150

milhões de brasileiros.

A taxa do gasto público com saúde no Brasil é um pouco mais da metade da média mundial

(6,8% contra 11,7%), segundo os dados da OMS.

A maior parte dos gastos do brasileiro com saúde (53%) sai de suas próprias economias

(pagamento de planos de saúde, consultas particulares e compra de remédios). A média mundial é de 39%.

Para Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP, o SUS, nascido com

a Constituição de 1988, nunca foi adequadamente financiado, o que limita a sua expansão e melhoria.

E a situação deve piorar ainda mais com a Emenda Constitucional 95, de 2016, que estabelece teto de

gastos e congelará os investimentos em saúde, educação e assistência social pelos próximos 20 anos.

Fonte: www.folha.com.br