Mas estudo aponta que só 10% foram diagnosticadas com o vírus, e menos ainda recebem o tratamento devido
Cesar Baima
RIO – Estudo divulgado na noite desta segunda-feira traça um cenário preocupante para a hepatite B no mundo, embora reconheça alguns avanços na luta pela erradicação da doença, compromisso assumido para 2030 por 194 países durante a 69ª Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizada em 2015. De acordo com os cálculos dos pesquisadores do Observatório Polaris da Fundação Centro para Análise de Doenças, nos EUA, quase 300 milhões de pessoas estavam infectadas pelo vírus da hepatite B (HBV) em todo mundo em 2016, numa prevalência de 3,9%, mas 90% delas ainda não tinham sido diagnosticadas e só 5% das que deveriam estar sob tratamento o recebiam. Além disso, apenas 1% das mulheres grávidas infectadas – que têm grande risco de passarem o vírus para seus filhos e são a principal fonte da atual epidemia da doença – estavam sendo tratadas adequadamente para que isso não aconteça.
No Brasil, os números são em geral um pouco melhores que os do cenário global. Aqui, os pesquisadores estimam uma prevalência de 0,4% da doença em 2016, o que se traduz em um total de 760 mil casos. Destes, 212 mil (28%) foram diagnosticados, com 22,5 mil (12%) dos 184 mil doentes elegíveis para tratamento (carga viral de mais de 20 mil unidades internacionais de DNA do vírus por mililitro de sangue) em terapia. Em compensação, não foram registradas instâncias de mulheres grávidas infectadas recebendo antivirais para evitar passar o vírus aos filhos.
Deixada sem tratamento, a hepatite B pode provocar sérios problemas de saúde, incluindo doenças e câncer no fígado, causando estimadas 600 mil mortes anuais em todo mundo. Mas apesar de o vírus ser extremamente contagioso, transmitido principalmente de mãe para filho ou entre crianças, e não ter cura, nas últimas décadas uma série de avanços torna sua erradicação factível: desde 1981, uma vacina altamente eficaz está disponível, e a partir de 1992 a OMS passou a recomendar a vacinação de recém-nascidos, com a primeira de três doses devendo ser administrada até 24 horas depois do nascimento.
Ainda assim, menos da metade dos bebês nascidos em todo mundo em 2016 recebeu a primeira dose da vacina neste prazo. Neste ponto, o destaque negativo ficou com Reino Unido e Noruega, últimos países europeus a disponibilizar a vacina a recém-nascidos, o que só aconteceu no ano passado. Desta forma, ainda em 2016 1,8 milhão de crianças com cinco anos, ou 1,4% das com esta idade naquele ano, estavam infectadas pelo vírus.
– A maior parte das transmissões de mãe para filho acontece nos primeiros dias desde o nascimento, então a dose ao nascer é vital – explica Homie Razavi, pesquisador da Fundação Centro para Análise de Doenças e líder do estudo, publicado ontem no periódico científico “Lancet Gastroenterology & Hepatology”. – Todas crianças devem receber esta vacina salvadora de vidas ao nascerem, e não apenas metade delas.
A oportunidade para mudar este cenário, no entanto, está à mão, destacam os cientistas. Exemplos disso são os 16 países que respondem por mais de 80% das infecções de crianças com cinco anos. A China, um deles, conseguiu elevar a cobertura vacinal da primeira dose em 24 horas dos recém-nascidos para 90%, mas dez deles ainda nem disponibilizam a vacina para estas crianças, lacuna que, se preenchida, pode em muito reduzir a transmissão criança-criança do vírus e, consequentemente, sua prevalência na população em geral.
Estratégias estas que podem ser reforçadas pelas lições aprendidas e as estruturas de vigilância e atendimento em saúde pública montadas nas décadas de luta contra a epidemia de HIV, o vírus causador da Aids, acrescentam especialistas não envolvidos no estudo em artigo de comentário que acompanha a pesquisa no “Lancet Gastroenterology & Hepatology”.
“Sucessivos governos em regiões de alta prevalência já aceitaram a doutrina de vacinação, mas muitos negligenciaram um cenário maior de triagem, diagnóstico e tratamento para evitar a progressão (da epidemia). A incidência de novas infecções crônicas pelo HBV vai continuar a aumentar a menos que a prevenção apropriada no nascimento seja adotada, e as mortes de adultos não vacinados vão crescer a menos que estratégias de diagnóstico e envio a tratamento sejam implementadas. Mas não serão necessárias mudanças estruturais de grande escala se os serviços para HIV existentes forem utilizados. Para tanto, porém, temos que aumentar a conscientização sobre o HBV aos mesmos níveis do HIV, e precisamos de testes inovadores e baratos nos locais de atendimento para o DNA do HBV que possam ser feitos em paralelo aos do vírus da hepatite C e do HIV”, apontam Geoffrey Dusheiko e Kosh Agarwal, do Hospital do Kings College e da Escola de Medicina da University College London, respectivamente, no comentário.
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