A medicina no tribunal

A falta de efetividade da política de saúde cada vez mais leva indivíduos a procurarem na Justiça a obtenção de direitos garantidos na Constituição, mas não disponibilizados pela rede pública e pelos convênios médicos.

Essa judicialização da saúde é consequência da fragilidade do sistema, que não estabelece regras e diretrizes normativas, fazendo com que o cidadão recorra aos tribunais, em busca do direito que de fato possui ou julga possuir.

O desenvolvimento de novos fármacos e procedimentos diagnósticos e terapêuticos pressionam os sistemas de saúde em todo o mundo e também no Brasil, pois os órgãos responsáveis não conseguem incorporar e entregar ao cidadão o que já é disponível aos privilegiados com recursos próprios.

A ineficiência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do sistema de saúde governamental ficou patente com o caso absurdo da “pílula do câncer”, quando o Congresso Nacional e a própria presidente da República desconsideraram a agência oficial de saúde, promulgando lei que autorizava o uso do medicamento. Felizmente, o ato foi suspenso, via judicialização, pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Apenas na esfera federal houve gastos de mais de R$ 1,5 bilhão decorrentes de ações judiciais nos últimos anos. Temos que solucionar esse problema, por meio de atividades políticas e sociais, e precisamos de apoio e parceria do governo.

Muitas vezes os pacientes são bombardeados por informações de marketing e de sistemas inescrupulosos de ações legais que desequilibram as finanças e, com frequência, obrigam compras em escala menor e sem condições de negociação, comprimindo ainda mais os orçamentos de saúde e causando falta de recursos para outras situações.

No entanto, quase todos os que criticam a judicialização mudam de ideia ao encarar uma enfermidade grave. Quando privados de tratamento, passam a enxergar a questão sob novos ângulos.

Muito desse problema decorre do aparelhamento político de órgãos e conselhos de saúde, nos quais critérios médicos foram substituídos por proselitismo populista, sem estratégia adequada.

É urgente reformular os três níveis de governança e estabelecer, por meio de diálogo efetivo, protocolos que norteiem e agilizem o setor, resgatando a credibilidade.

A pressão social só tende a aumentar, tornando necessárias ações propositivas, com participação dos setores envolvidos. A importância dos médicos é capital para a produção e incorporação das informações, com transparência e sem corporativismo.

Todo o cuidado deve ser tomado para que picuinhas ideológicas não contaminem o ponto principal: a criação de um sistema, baseado em evidências científicas e nas condições socioeconômicas do país, que estabeleça o atendimento necessário e possível.

A Academia Nacional de Medicina, com a responsabilidade de seus 187 anos de existência, acredita ser imperiosa a adoção de critérios e normas que possibilitem a modernização de nosso arsenal terapêutico de maneira organizada e inteligente, com a utilização máxima de recursos financeiros e humanos.

Nesse sentido, a instituição vem chamando diferentes setores e lideranças nacionais para o debate da efetiva reorganização do sistema.

Assim, nesta quinta (28 de julho), a academia realiza em sua sede, no Rio, um simpósio sobre judicialização da medicina, com autoridades de saúde e do judiciário.
Trata-se de um primeiro passo para outras reuniões de médicos com líderes da sociedade brasileira, visando estabelecer normas saneadoras e resolutivas.

FRANCISCO J. B. SAMPAIO, urologista, é professor titular da Unidade Urogenital da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e presidente da Academia Nacional de Medicina

RUBENS BELFORT JR. é professor titular de oftalmologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e vice-presidente da Academia Nacional
de Medicina.

www.folha.com.br 27/07/2016