Programas de residência formam médicos para o interior do Brasil

A especialização médica, ou residência, tem buscado formar e fixar no interior do país o maior número possível de médicos de família, aqueles que no passado iam até a casa do paciente, sabiam da história de vida dele e das condições sociais às quais ele estava submetido.

O motivo é estratégico: um profissional com esta formação consegue solucionar até 80% das demandas clínicas de uma pessoa doente em uma simples consulta –geralmente feita em unidades básicas de atendimento, segundo o Ministério da Saúde.

“O trabalho deste médico gera uma reação em cadeia que lá na frente desafoga hospitais e dá mais qualidade de vida à população”, diz Hélder Aurélio Pinto, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação, do ministério.

A meta é ousada. Até 2019, o governo quer atingir 18 mil bolsas de residência -sendo que 89% disso será para titular médicos de família –e especializar mais 14 mil médicos que já estão no mercado para se tornarem professores da pós.

Todo esse esforço prevê alcançar, ao menos, cem municípios que estão sendo contemplados pela expansão de cursos de graduação na área e pelo aumento do número de profissionais ligados ao programa federal Mais Médicos, pontua o secretário.

O plano, no entanto, contrasta com o número de bolsas que a pasta colocou em operação entre 2010 e 2015, por exemplo.

Dos 6.585 benefícios, 17% atenderam áreas prioritárias do SUS (Sistema Único de Saúde), entre elas, a medicina de família.

“Vejo um esforço muito grande do governo pela busca da especialidade, mas acho pouco provável que esta meta seja atingida nesse curto intervalo de tempo”, afirma Thiago Trindade, presidente da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade).

NO MEIO DA FLORESTA

Coari, cidade de 83 mil habitantes, no Amazonas, estampa o desafio. Lá, só se chega de barco ou avião. Grande parte dos médicos que trabalham na cidade são “de temporada” -ficam, no máximo, duas semanas por lá tratando doenças como dengue, malária e hepatites em comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas e depois vão embora. Menos Ricardo Santos Faria, 38.

Já fixado nesta porção isolada do Brasil, Faria é um das centenas de médicos que estão sendo capacitados para criar programas de residência médica, do governo federal, na área de família. “É o maior desafio que resolvi enfrentar na minha carreira”, diz.

Em 2015, durante oito meses, ele enfrentou uma maratona de viagens entre Coari e São Paulo para estudar no Instituto de Ensino e Pesquisa, do Hospital Sírio-Libanês -uma das instituições que firmaram convênio com o Ministério da Saúde para formar médicos com esta especialização.

“Obtive no curso competências de liderança e gestão para não só fundar, mas manter e fortalecer a residência médica que será desenvolvida em Coari”, conta.

Faria terá o desafio de unir a prefeitura, a secretaria de saúde local e a universidade –a cidade terá, a partir de agosto, um curso de medicina ofertado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas) -para pôr a residência em operação.

A nova graduação, diz Faria, já seguirá os preceitos da medicina de família, com alunos trabalhando desde o primeiro ano de curso em postos de saúde e comunidades rurais.

O Sírio atua em três frentes no programa, conta Roberto de Queiroz Padilha, o superintendente do instituto de ensino do hospital. “Estamos formando gestores, professores e residentes.” São 1.600 vagas distribuídas entre os três públicos-alvo.

“Levamos o jeito Sírio de fazer medicina e esse médico capacitado devolve o que aprendeu para a comunidade”, afirma Padilha.

Depois de formado, o residente precisa trabalhar por dois anos em projetos de saúde do SUS.

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, outro parceiro do governo, aposta na formação de professores de residência. Até 2017, a instituição colocará no mercado 1.200 profissionais com esta titulação. “O curso tem 20 horas presenciais e 60 a distância e tem atraído médicos de todas as partes do país”, afirma.

A sociedade brasileira de medicina de família também entrou na linha de produção de novos especialistas em “família e comunidade”. A entidade abrirá, a partir de março, uma especialização lato sensu, de 360 horas, voltada a formar pelo menos 800 residentes em preceptoria, com habilidade em docência médica.

Fonte: Folha de S. Paulo – 04.02.2016