Avanços na estruturação de PPP’s na área de saúde
A promoção da saúde é dever do Estado, como preconizado na Constituição Federal (art. 196). Nada obstante, a situação do sistema público de saúde no Brasil é de extrema precariedade, demandando relevantes investimentos por parte dos gestores públicos. Uma das soluções encontradas nos últimos tempos para lidar com a demanda por melhores serviços de saúde são as parcerias público-privadas, as PPPs, por permitirem a realização de um maior número de empreendimentos (pois o investimento é diluído por longo prazo contratual) e, mais importante, trazerem a expertise e eficiência da iniciativa privada para o serviço público, o que tende a melhorar a qualidade da prestação, dentre outras vantagens. Nesse contexto, tentaremos apresentar um quadro geral das PPPs de saúde no Brasil.
Um dos projetos de PPPs mais comentados na área da saúde foi o Hospital do Subúrbio, na Bahia. Trata-se do único caso brasileiro no qual houve a delegação à iniciativa privada tanto dos serviços assistenciais de saúde (“bata branca”), quanto dos não assistenciais (“bata cinza”). Muito embora tal modelo encontre certa resistência, em função da sensibilidade da prestação dos serviços de saúde por parte da iniciativa privada, a execução desta PPP foi bem sucedida, sendo o primeiro hospital público do estado a obter certificado de Acreditação Hospitalar e premiado internacionalmente.
Uma das dificuldades enfrentadas em projetos deste tipo é a mensuração do desempenho do parceiro privado pela prestação dos serviços assistenciais. Por exemplo, poderá haver casos nos quais será difícil distinguir a ocorrência de erro médico ou de uma fatalidade. Ainda assim, o sucesso do projeto da Bahia demonstra a viabilidade da implantação deste modelo, além de apresentar a vantagem de não haver duas frentes atuantes (parceiro privado e poder público/organização social de saúde contratada pelo poder público) no hospital, como verificado em outros projetos. Isto tende a reduzir a incidência de possíveis conflitos, com possível ganho de eficiência na operação.
Face às incertezas existentes em projetos como este, alguns entes públicos optaram por delegar apenas serviços auxiliares (tais como de manutenção predial e de mobiliário) ao parceiro privado por meio de uma PPP, além da construção do prédio e fornecimento de equipamentos. É o caso da PPP das Unidades Básicas de Saúde da Família – UBSF, promovida pela Prefeitura Municipal de Manaus. Ainda que ganhos na contratação deste objeto via PPP possam ser apontados – por exemplo, a agregação de diversos serviços em um único contrato -, deve-se ter em mente que a estruturação de um projeto de PPP é demasiada complexa e, talvez, para a execução de serviços desprovidos de sofisticação poder-se-ia utilizar a contratação tradicional, nos termos da Lei nº 8.666/1993 – mais simples e sem comprometimento de uma despesa por longo prazo pelo ente público. Ademais, estes projetos apresentam outra fragilidade: o risco de interface entre o parceiro privado e o prestador dos serviços assistenciais, como mencionado acima.
Buscando viabilizar a construção e operação de hospitais de maneira mais eficiente e sem adotar os modelos mais extremos indicados anteriormente, o estado de São Paulo lançou mão de um terceiro modelo de PPP, delegando ao parceiro privado a prestação de todos os serviços “bata cinza” e de gestão hospitalar. Isto representa um avanço ao último modelo mencionado, vez que a delegação da gestão hospitalar propicia maior eficiência, não bastando a prestação dos serviços por parte do parceiro privado, mas o gerenciamento de todos estes serviços por uma entidade com experiência reconhecida no tema hospitalar. Nada obstante, o risco de interface entre o parceiro privado e o prestador dos serviços assistenciais remanesce.
Aparentemente, tal risco pode ser mitigado pela existência de comitês, compostos por membros escolhidos pelo parceiro privado, pelo poder concedente e, se for o caso, pelo operador dos serviços assistenciais. Poderão exercer variadas funções, como a resolução de divergências técnicas relacionadas à operação cotidiana do hospital, a análise de críticas, sugestões e reclamações dos usuários, a edição de normas e procedimentos internos para otimizar a operação do hospital, dentre outras. Os comitês para gerenciamento da interface hospitalar são essenciais à gestão do contrato, minimizando possíveis entraves à sua adequada execução.
Outro risco bastante significativo nestas PPPs é o de demanda, mas por uma lógica inversa da usual. Em função da escassez de infraestrutura na área da saúde, é comum que a busca por estes novos hospitais seja alta. Caso a demanda seja alocada integralmente ao parceiro privado, o contrato pode tornar-se bastante oneroso. A superlotação do hospital tem como consequência direta a queda na qualidade dos serviços ou a necessidade de maiores investimentos no ativo. A solução encontrada em alguns projetos é o compartilhamento deste risco, sendo o parceiro privado responsável tão somente pela disponibilização dos bens pactuados contratualmente (a necessidade de ampliações e novos investimentos não previstos originalmente no contrato é tratada como hipótese de reequilíbrio econômico-financeiro). Outra forma de mitigar tal risco é estabelecer que a remuneração do parceiro privado seja influenciada pela demanda, podendo esta variar de acordo com a taxa de ocupação do hospital.
Além destas parcerias público-privadas para a implantação de hospitais, é importante destacar que já foram lançados outros projetos na área da saúde. Por exemplo, a PPP de Diagnóstico por Imagem, na Bahia, a PPP da Fundação para o Remédio Popular (Chopin Tavares de Lima) – FURP, para a produção de remédios genéricos, e a PPP de Logística de Medicamentos, em São Paulo – muito embora esta se encontre suspensa atualmente.
A nosso ver, a implementação de uma PPP na área da saúde pode trazer ótimos resultados à população, carente destes serviços tão relevantes. Não por outro motivo, pudemos observar o lançamento de diversos projetos no ano passado. Contudo, acreditamos ser importante que os gestores públicos deixem de temer a implantação de um modelo mais arrojado (delegação dos serviços “bata branca” e “bata cinza” à iniciativa privada), de modo que possamos ter mais casos de sucesso espalhados pelo Brasil, assim como o do Hospital de Subúrbio. No caso de outras questões impedirem a contratação do hospital como um todo, recomenda-se a estruturação adequada do projeto, com grande atenção aos mecanismos de interface e avaliação de desempenho, pois serão os melhores controles para o funcionamento do empreendimento em níveis satisfatórios.
Fonte:www.mhmlaw.com.br
Por: Rosane Meira de Menezes Lohbauer, Fernanda Fumis Picarelli, Rodrigo Sarmento Barata