Médicos precisam adotar cultura de transparência, diz Marty Makary

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O professor de medicina Martin Makary, autor do livro "Unnacountable"
O professor de medicina Martin Makary, autor do livro “Unnacountable”

Hospitais precisam criar uma cultura de transparência para que médicos possam admitir erros e assumir responsabilidades, diz o britânico Marty Makary.

Professor da Universidade Johns Hopkins (EUA), ele é autor de “Unaccountable” (“Irresponsabilizável”, 256 págs., US$ 19,20, Bloomsbury Press), best-seller sobre a falta de transparência na medicina. O médico foi um dos palestrantes do fórum “A Medicina do Amanhã”, na semana passada, no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Em entrevista à Folha, Makary defendeu que se divulguem informações detalhadas sobre hospitais e médicos, mas disse que médicos não podem ser crucificados sistematicamente por seus erros. Leia abaixo a entrevista.

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Folha – Por que a transparência é essencial à medicina?
Marty Makary – Não há boas técnicas para medir o desempenho de médicos e hospitais, e isso é frustrante para o público e para os médicos. A transparência nos dá pistas sobre o que deve ser melhorado no atendimento.
Em Nova York, nos anos 1980, um estudo comparou a taxa de mortalidade de cirurgias do coração em diferentes hospitais e constatou grande variação. Viu-se que muitas mortes poderiam ser evitadas com padronizações e técnicas mais rígidas.

O sr. diz que a variação de práticas é um problema na medicina. Por quê?
A mesma liberdade que médicos têm de mudar o tratamento para atender às especificidades de cada paciente -se ele é mais velho, ou se não quer um tratamento agressivo, por exemplo- pode levar o profissional a fazer escolhas terapêuticas por dinheiro ou por egoísmo.
Um médico pode ter taxas altas de infecção pós-cirurgia ou ser preso por dirigir bêbado e ainda continuar a exercer a profissão. Damos muita liberdade aos médicos sem o monitoramento devido. É um caminho difícil equilibrar a liberdade boa e essa que não é muito bem-vinda.

O sr. menciona a Clínica Mayo, do Minnesota (EUA), onde há uma troca muito grande de indicações entre médicos, como exemplo de excelência. É possível expandir esse modelo?
A própria Clínica Mayo tentou expandir o que faz na sua sede, sem sucesso. Há indicações de por que isso ocorreu. Médicos da sede se sentem no comando do hospital e são próximos da direção. Eles se sentem parte daquilo.
Na maioria dos hospitais, há uma péssima comunicação entre médicos e dirigentes. São comuns reclamações de médicos em relação a uma administração que não entende o que eles fazem.

O que fazer com erros graves, como objetos cirúrgicos deixados dentro dos pacientes. O médico deve ser demitido?
Um médico não deve ser mandado embora por um erro. Até os melhores médicos do mundo já cometeram erros. Mas precisamos criar uma cultura em que esses erros são comentados, corrigidos e evitados.

Como evitar que médicos escolham os tratamentos que vão lhe trazer mais lucro?
Primeiro, os médicos devem ganhar muito bem e serem recompensados. Segundo, pacientes devem ter o conhecimento de como o sistema funciona para ficarem atentos. Devem saber, por exemplo, que médicos que não encaminham para outros especialistas têm retorno financeiro com isso.

Ser excessivamente transparente não pode ser um problema para a confiança entre médicos, pacientes e hospitais?
Não, só temos a ganhar com isso. Mas a transparência e a medição da produtividade precisam ser bem feitas, com esquemas estatísticos que contemplem também as opiniões de médicos e de profissionais que serão avaliados. Lido com casos de alta complexidade que muitos médicos recusam. Um sistema de medição que compara taxas de mortalidade sem considerar o alto risco de pacientes pode penalizar profissionais que aceitam esse desafio.

 

Fonte: www.folha.com.br 26 setembro de 2014