Na saúde, presidenciáveis prometem aumentar financiamento

Aécio Neves e Eduardo Campos falam em crescimento do investimento no setor; Dilma Rousseff propõe ampliação de programas

por Demétrio Weber

BRASÍLIA — Os dois principais adversários da presidente Dilma Rousseff na eleição deste ano prometem aumentar substancialmente os investimentos em Saúde, vinculando 10% das chamadas receitas correntes brutas da União ao setor. No ano passado, isso teria representado um acréscimo de cerca de R$ 40 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde. A proposta consta nos planos de governo dos presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), e atende à reivindicação do Movimento Saúde +10 —que é formado por dezenas de entidades e coletou 2 milhões de assinaturas favoráveis a um projeto de lei nesse sentido apresentado à Câmara dos Deputados.

O financiamento da Saúde está no centro das preocupações de gestores públicos e candidatos. O plano de governo de Dilma, porém, tangencia a questão, limitando-se a propor a ampliação de programas, o que naturalmente gera aumento de despesas. O plano de Dilma menciona apenas que será necessário fazer uma “rediscussão federativa”, uma vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) é financiado por prefeituras, governos estaduais e União. O texto alerta para o risco de superposição de investimentos.

O plano de Aécio destaca a necessidade de melhoria de gestão, mas deixa claro que o setor precisa de mais dinheiro. Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o documento tucano informa que o gasto público do Brasil com Saúde atingiu 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, ante 5,4% da média internacional ou 7,6% dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne majoritariamente nações desenvolvidas.

O plano do presidenciável do PSDB diz ainda que a participação de estados e municípios vem aumentando e já responde por mais da metade dos gastos do SUS. “Para cumprir os preceitos da Constituição de 1988 relacionados à Saúde, seria necessário muito mais do que o governo federal vem dedicando ao setor”, diz o texto.

O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Antônio Carlos Nardi, que é secretário de Maringá (PR), considera o financiamento prioritário:

— Nossa primeira bandeira é o financiamento, a regulamentação dos 10% de repasse das receitas correntes brutas para o SUS. Isso faz a diferença — diz.

A reivindicação tem origem na regulamentação da emenda constitucional 29. A lei aprovada pelo Congresso determina que os municípios brasileiros apliquem 15% de suas receitas brutas em Saúde, e os estados, 12%. No caso do governo federal, no entanto, não foi fixado um percentual. A fórmula adotada exige apenas que os gastos da União no ano anterior sejam corrigidos pela variação do PIB.

O plano de Aécio manifesta apoio tanto à proposta do Movimento Saúde +10 quanto a uma “política similar que garanta um crescimento progressivo de financiamento para o setor”.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Wilson Duarte Alecrim, também defende a fixação dos gastos federais em 10% das receita corrente bruta da União, por entender que o SUS precisa de maior volume de recursos. Mas alerta para o problema da má gestão.

— Não adianta só mais recurso, tem que otimizar a gestão — diz Alecrim, que é secretário de Saúde do Amazonas.

Um dos pleitos do presidente do Conass é a flexibilização da Lei de Licitações, com a adoção de um regime especial para hospitais de média e alta complexidade. Segundo Alecrim, há casos em que produtos ligeiramente mais baratos são de pior qualidade e podem comprometer o atendimento. Por força da legislação em vigor, entretanto, acabam sendo adquiridos.

Um dos coordenadores do plano de governo de Eduardo Campos, o ex-deputado Maurício Rands diz que a versão apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral é preliminar e consiste apenas em diretrizes gerais que darão origem ao plano, a ser divulgado nas próximas semanas. Nessa primeira versão, consta o aumento dos gastos federais, mas sem citar o percentual de 10%. Ao GLOBO, Rands declarou que esse será o índice adotado na versão consolidada do plano.

— Houve, no período recente, um descompromisso da União com o financiamento da saúde. Uma das crises do SUS, além da gestão, é de subfinanciamento. Com Eduardo Campos, a União vai reassumir as suas responsabilidades com o financiamento do SUS. Vamos aumentar a participação da União — afirma Rands.

O plano de Dilma, que cita realizações dos governos do PT, promete essencialmente melhorias em programas já existentes. Reafirma seu compromisso com o SUS e cita a ampliação das Unidades de Pronto Atendimento, do Samu e do Mais Médicos. Este último faz parte da estratégia de fortalecimento da atenção básica, isto é, do atendimento que é feito por clínicos gerais e que resolve casos de menor complexidade. Os planos dos três presidenciáveis enfatizam a importância de fortalecer a rede de atenção básica, que consiste em postos de saúde e equipes do programa de Saúde da Família.

O plano de Aécio propõe “aprimorar” o Mais Médicos, com a padronização da remuneração dos profissionais. Atualmente, médicos cubanos contratados por convênio junto à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) recebem salários menores do que os demais médicos estrangeiros e brasileiros no programa. Isso porque parte da remuneração é paga ao governo de Cuba. O tucano quer também criar uma carreira nacional de médicos.

O presidente do Conasems defende a ampliação do Mais Médicos. Segundo ele, há pelo menos 1,5 mil municípios que não aderiram ao programa e que gostaria de receber profissionais numa nova rodada.

— É como São Tomé: muitos prefeitos não pediram médicos porque não acreditaram que seriam atendidos. Hoje, vendo a realidade, querem participar — afirma Nardi.

O professor de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB) Antônio José Cardoso lembra que a municipalização da Saúde na década de 1990 deu início à estruturação de uma rede de atenção básica no país. A ideia é que essa rede seja a porta de entrada dos pacientes no SUS e que apenas os casos mais graves sejam levados a hospitais, geralmente localizados em cidades maiores. O problema, segundo Cardoso, é que justamente essa rede de média e alta complexidade esbarra na falta de financiamento e de competência dos gestores. Afinal, argumenta ele, esses hospitais devem atender diferentes municípios, e há confusão na hora de dividir a conta.

Fonte: Jornal O Globo 09/07/2014