Editorial Folha de São Paulo: Fé na genômica

Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, mais conhecidos pela sigla em inglês NIH, são os maiores financiadores de pesquisas biomédicas do mundo. Investem anualmente US$ 30,1 bilhões nos estudos de 300 mil cientistas em 2.500 instituições, inclusive do Brasil.

A soma representa fração diminuta dos US$ 2,7 trilhões gastos pelos norte-americanos com saúde a cada ano, mas é portentosa. Basta dizer que equivale a cerca de 3/4 do orçamento anual do Ministério da Saúde do Brasil, responsável pelos mais de 140 milhões de cidadãos que dependem do SUS.

A verba dos NIH está estagnada há 11 anos e hoje só chega para apoiar 1/6 das pesquisas que passam por seu processo de seleção. Mas a cifra teve uma duplicação no período 1998-2003, que não por acaso coincidiu com a fase final do Projeto Genoma Humano.

O esforço para decifrar a sequência completa do código genético da espécie custou US$ 2,7 bilhões aos EUA. Chegou a ser comparado com o programa Apollo, que levou o homem à Lua em 1969 –menos pelo fascínio da aventura e mais pela esperança de que esse “Livro da Vida” revelasse as chaves para derrotar moléstias como o câncer.

Mais de uma década transcorreu desde então. Há muitos exemplos de fármacos e testes diagnósticos desenvolvidos com base na imensa quantidade de informação produzida pela ciência da genômica, mas sua aplicação ainda é restrita.

A prometida revolução da medicina ainda não chegou ao cotidiano dos consultórios. “Pode ter havido algumas predições excessivamente otimistas sobre a velocidade com que a informação genômica transformaria a prática da medicina”, admitiu em entrevista a esta Folha o médico e geneticista Francis Collins, que liderou o Projeto Genoma e hoje dirige os NIH, durante visita ao Brasil.

Collins se diz seguro de que tal revolução ainda virá. Parte da demora ocorre em razão do custo ainda elevado do sequenciamento de genomas individuais, que restringe a acumulação de dados para correlacionar variantes genéticas com a incidência de moléstias.

Uma vez identificados os genes envolvidos, os pesquisadores podem seguir essas pistas bioquímicas –chamadas de vias metabólicas– para tentar desenvolver medicamentos sob medida. Em boa hora, porque é crescente a dificuldade da indústria farmacêutica em localizar novos alvos e deles derivar uma nova geração de drogas.

Fonte: Folha de São Paulo 26/05/2014