Organismo é modificado para levar descendentes à morte, reduzindo população do A. aegypti
Inseto foi considerado seguro para o ambiente e para humanos, mas ainda precisa de registro comercial
SALVADOR NOGUEIRACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão responsável por verificar a segurança de novas biotecnologias no Brasil, aprovou ontem a liberação comercial de um mosquito transgênico criado para combater a dengue.
Isso quer dizer que há evidências suficientes para afirmar que o organismo não ameaça o ambiente ou as populações humanas.
O risco de desequilíbrio ambiental é nulo porque o Aedes aegypti não é nativo do Brasil e encontrou um ambiente ideal aqui porque não possui predadores naturais.
A aprovação é mais um passo para que o produto, desenvolvido pela empresa britânica Oxitec, possa ser usado em larga escala em território nacional. Contudo, o mosquito transgênico ainda precisa de registro comercial.
O que já se pode fazer são iniciativas de teste do desempenho do organismo geneticamente modificado sem depender de aprovação da CTNBio para cada projeto.
A grande sacada do mosquito é a inclusão de um gene que não mata o indivíduo que o possui, mas, ao ser transmitido aos descendentes, mata-os antes que cheguem à fase adulta.
Como só as fêmeas do Aedes aegypti picam (e assim contraem e transmitem o vírus causador da dengue), os pesquisadores liberam apenas os machos transgênicos no ambiente.
Ao encontrar fêmeas selvagens, esses machos modificados as fecundam, e os ovos ganham o gene “mortal”. Assim ocorre a redução da população de mosquitos.
EXPERIÊNCIA
Testes iniciados em 2011 na cidade de Juazeiro, na Bahia, mostraram redução acima de 80% na população de mosquitos selvagens. Num dos dois bairros em que foram realizados os testes, Itaberaba, a queda foi de 81%. Em Mandacaru, foi de 93%.
Outro experimento realizado nas ilhas Cayman conseguiu taxa de 82%, e os resultados mais recentes, divulgados ontem pela Oxitec, apontam uma taxa de redução de 79% no bairro de Pedra Branca, em Jacobina (BA).
Todas as iniciativas de uso do mosquito da Oxitec realizadas no Brasil foram feitas em parceria com a organização social Moscamed.
Para comercializar seus mosquitos, a Oxitec ainda precisa de um registro comercial do produto. Como não existe um protocolo definido para algo como um mosquito transgênico, a empresa conversa com o governo a fim de encontrar o caminho para obter o registro.
“Esperamos notícias para as próximas semanas”, diz Glen Slade, diretor global de desenvolvimento de negócios da companhia britânica, que já se instalou no Brasil e montou uma fábrica de mosquitos em Campinas (SP).
A infraestrutura é capaz de fabricar 2 milhões de mosquitos por semana. Pode parecer bastante, mas os executivos da empresa estimam que qualquer projeto maior que os atuais exigirá a construção de outras unidades.
Eles estimam que uma iniciativa que envolva uma cidade de 50 mil habitantes custe à prefeitura entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões em seu primeiro ano. Nos anos seguintes, que envolveriam só manutenção, o custo cairia para menos de R$ 1 milhão.
Até agora, com taxa de redução na faixa de 80%, essa é a estratégia mais eficaz já comprovada para combater o mosquito.
Em geral, o que de melhor se pode fazer sem a biotecnologia é reduzir os locais em que o A. aegypti deposita os seus ovos –como locais que abrigam água parada.
Folha de São Paulo 11/04/2014