O IT Mídia Debate deixa claro que, sem colaboração das empresas e de seus colaboradores, a saúde coletiva não se sustenta
E se não fosse a doença, como sobreviveriam os médicos, os hospitais, as clínicas, os planos de saúde, as indústrias farmacêuticas e de equipamentos? A indagação leva à constatação de que o sistema de saúde brasileiro foi estruturado em torno da enfermidade e ainda parece rodar sobre o mesmo eixo – mesmo sem a garantia de equilíbrio e segurança dos elos que o circundam. Partindo desta evidência, o conceito de Gestão da Saúde Populacional (GSP) tem aparecido no Brasil como solução para que todos comecem a ganhar, não mais sobre enfermidades, mas a serviço da saúde e bem-estar da população. Faz parte desta nova engrenagem, que começa a ser desenhada, um importante player, que até então estava alheio ao debate: as empresas contratantes de planos coletivos, categoria que representa 77% de todos os planos comercializados no País.
O IT Mídia Debate – composto pela diretora médica da Aon Hewitt Brasil, Antonietta Medeiros; o superintendente de Gestão de Saúde e Departamento Técnico da SulAmérica, Gentil Alves; e o presidente da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP), Paulo Marcos de Souza; – mostrou a importância dos gestores e dos departamentos de Recursos Humanos (RH) nessa transformação, não apenas da organização do modelo assistencial vigente, mas principalmente do modo de pensar a Saúde no País.
“Quem ganha sobre produtividade tinha que estar extremamente preocupado com saúde dos funcionários, mas não é o que acontece. É só imaginar alguém trabalhando com dor de cabeça, dor de barriga, é fácil perceber que a produtividade cai”, disse Souza, da Asap, lembrando que durante a maior feira de RH da América Latina, realizada em agosto deste ano em São Paulo, não havia nenhum estande com a proposta de Saúde Corporativa. “Só haviam empresas querendo vender planos de saúde ao RH”, enfatizou.
De acordo com pesquisa da Asap, a maior parte das empresas brasileiras não enxerga o valor de investir na saúde de sua população, pelo contrário, a veem como despesa. A mentalidade delas, segundo Souza, é de que ao oferecer um plano de saúde o seu papel já está sendo feito.
Enquanto uma seara de oportunidades é ignorada, as organizações sentem no bolso os crescentes reajustes anuais de planos coletivos, estabelecidos de maneira autônoma por cada operadora, impulsionados pela inflação médica de 16,4%, muito superior ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 6,1%, segundo último levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Atualmente o benefício ao funcionário já é a segunda maior despesa em RH, superada apenas pela folha de pagamento, fator que tem trazido o CFO e, muitas vezes, o CEO para a mesa de negociação. “As medidas na gestão da saúde ainda estão ligadas ao gerenciamento de custos. O RH ainda pensa: vamos tentar fazer com que as pessoas usem menos o plano, sem olhar para aspectos como o presenteísmo (quando a pessoa vai ao trabalho, mas não contribui inteiramente para a produtividade da organização) e absenteísmo (quando o trabalhador deixa de comparecer à empresa)”, comentou Antonietta, representante da Aon, consultoria especializada em gerenciamento de planos, nicho de mercado crescente no Brasil e bastante comum nos Estados Unidos.
“Cuidar da saúde sempre exigirá gastos, mas precisamos gastar bem e o retorno virá. Ainda temos um caminho longo e árduo para desmistificar essa valorização de apenas reduzir custos a curto prazo”, disse.
Na prática
Ir além da oferta de planos de saúde e odontológicos, segundo os participantes do debate, é trabalhar em conjunto com operadoras, consultorias, colaboradores, entre outros envolvidos, na coleta de dados para o desenvolvimento de programas e políticas de saúde direcionadas à necessidade da população em questão. Para Alves, da SulAmérica, é preciso sair de uma visão simplista e equivocada, com foco no retorno financeiro, para um conjunto de iniciativas baseadas na análise de indicadores.
Os executivos concordam que dados sobre o perfil dos usuários e seu desempenho não faltam, mas a questão está em o que fazer com eles. “Isso passa pelo desenvolvimento de uma cultura de saúde e maturidade empresarial”, afirmou Antonietta, compartilhando as dificuldades que a Aon tem em conseguir o engajamento das empresas em programas de prevenção e promoção à saúde.
A diretora médica critica a qualidade dos programas de modo geral, muitas vezes aplicados sem uma metodologia e planejamento adequados ao que as pessoas realmente estão precisando. “Temos que ser mais criativos e desenvolver programas especializados por meio de parcerias com as próprias operadoras, fornecedores, e uma gestão mais próxima. Ainda vemos muitos produtos de prateleira”.
De olho nesta demanda de mercado, nasceu a Asap – formada por empresas como Amil, AxisMed, Omint, Saútil, SulAmérica, entre outras -, que tem a missão de munir os gestores com informações, soluções, métricas e padrões para o alcance de uma melhor qualidade da saúde e os benefícios aos negócios decorrentes como, por exemplo, diminuição do turnover, absenteísmo e presenteísmo, aumento da motivação, produtividade, acesso a dados relevantes etc.
É comum que o departamento de RH adote alguma iniciativa como, por exemplo, ginástica laboral sem nenhuma pesquisa prévia e avaliação física junto aos colaboradores. “É preciso mensurar o grau de motivação das pessoas constantemente e saber que a comunicação periódica é estratégica. Não tem como engajar os funcionários se eles não fizerem parte do processo de elaboração do programa”, disse Antonietta ao exemplificar que uma empresa cliente da Aon descobriu que dos 7.800 funcionários, 45% estavam extremamente infelizes com a dificuldade de chegar ao trabalho. Dessa forma, a companhia passou a oferecer um ônibus coletivo para o trajeto até a sede, melhorando a qualidade de vida das pessoas, que puderam ficar mais tempo com a família. “Falar em gestão da saúde de uma população é contemplar tanto a saúde física como a mental”, completa a executiva.
Dados da Organização Mundial de Saúde de 2012 estimam que a depressão, por exemplo, afeta cerca de 350 milhões de pessoas e é a segunda maior causa de perda de produtividade dentro das empresas. Em primeiro lugar estão as doenças infectocontagiosas. No Brasil, em 2011, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), aproximadamente 10% dos afastamentos foram por patologias psiquiátricas, ficando atrás somente de traumatismos e acidentes (26%) e patologias ortopédicas (18%).
Para Souza, da Asap, apesar de políticas governamentais de combate às doenças crônicas, de resoluções da ANS (RN 264 e 265) que incentivam operadoras a adotarem programas de qualidade de vida, o trabalho de prevenção tem que ser da empresa, que paga a maior parte da conta. “Não adianta ficar migrando de plano em plano com base em preço. É preciso enxergar a seguradora como parceira na saúde ocupacional, na diminuição de obesos, ou seja, na melhoria de indicadores”.
Com investimentos de longo prazo e uma série de programas de GSP como o de Gerenciamento de Fatores de Risco à Saúde; o Idade Ativa, com foco no envelhecimento saudável para segurados a partir de 65 anos de idade; o Orientação à Saúde, destinado a pacientes portadores de doenças crônicas, a SulAmérica, assim como outras operadoras, estão sempre correndo o risco de perder este cliente que ainda se baseia no fator preço.
No ano passado, a companhia investiu mais de R$ 15 milhões em programas de gestão e anunciou em julho deste ano parceria com a Healthways, maior empresa de administração de programas de saúde e bem-estar do mundo, o que permitirá a automatização e consolidação das informações sobre os hábitos e as condições de saúde dos beneficiários. Alves explica que a devolutiva para o segurado, já com orientações para melhoria de seu quadro, será feita imediatamente após o preenchimento de um perfil online. Seis dimensões são contempladas: a saúde física, a emocional, os hábitos, a satisfação com a vida, a relação com o ambiente de trabalho e os acessos básicos para suprir as necessidades na manutenção da saúde e de bem -estar.
“Este sistema é mutualista. Acredito que todos tenham que pagar um pouco dessa conta”, opinou Alves. Atualmente a seguradora possui 2 milhões de beneficiários.
Mais com menos
Criatividade diante de uma saúde suplementar estagnada nos 48 milhões de usuários e pressionada pelo aumento de custos foi uma das características largamente mencionadas durante o debate. Começar a aproveitar dados que hoje são engavetados pode fazer a diferença, como é o caso dos exames admissional e demissional, do check-up executivo e exames periódicos – estes, segundo Souza, existem apenas a título de legislação.
Dentre os fatores que influenciam a manutenção da saúde, 53% está relacionado ao estilo de vida (veja tabela na página anterior), segundo dado da universidade Stanford apresentado pela Asap durante o debate. Para se ter uma ideia, 50% da mortalidade nos EUA tem causas que podem ser prevenidas e que estão relacionadas ao estilo de vida.
E exatamente nas pequenas mudanças de hábitos que está o nascimento de um novo modo de viver. Alguns exemplos de iniciativas empresariais citados pelos participantes foram: oferta de comida saudável aos funcionários, escadas no lugar de elevadores, orientação alimentar mensal, sala de “descompressão”, bonificações e prêmios a colaboradores que atingirem melhores resultados de saúde etc.
“Orientações à saúde são as mesmas para qualquer porte de empresa. Apenas o modelo de implantação é diferente”, disse Antonietta.
Apesar da constatação, o IT Mídia Debate esclareceu que empresas globais, com sede no Brasil, costumam ter diretrizes para a GSP melhores estabelecidas. “Existe um grau de maturidade diferente nas corporações. Algumas estão olhando pontualmente para a medicina de trabalho, sem uma preocupação com a saúde populacional. E outras – a minoria – já incorporaram a prática como uma realidade”, contou Alves, acrescentando que a discrepância está relacionada ao ramo de atividade. A SulAmérica aferiu, por exemplo, que a indústria do transporte é a que possui os piores índices (sedentarismo, tabagismo, alcoolismo, colesterol, IMC etc) devido às condições de trabalho e hábitos dos motoristas.
“Na verdade, o segurado é o principal responsável. Ele tem que estar disposto a participar. Se ele não achar que aquilo é importante, ele não vai mudar”, afirmou Alves, acrescentando que o trabalho do RH está em mostrar essa importância.
Dos 500 mil participantes do Programa Amil Qualidade de Vida (PAQV), que identifica precocemente os riscos dos colaboradores internos relacionados às doenças cardiovasculares e ao diabetes, 9% eram diabéticos e 4% não sabiam. “O mesmo verificamos para hipertensos e quem possui colesterol. As pessoas não têm ideia de que estão trabalhando enfermas”, relatou Souza, um dos fundadores da Amil.