A Era da Experiência dos Pacientes

Por Kelly Cristina Rodrigues

É uma tendência no mundo aprimorar serviços de saúde a partir do que os pacientes verdadeiramente valorizam, como o acesso à informação e a cuidados individualizados.

Estamos na era da experiência, em que cada vez mais o cliente está no centro das atenções. É fácil entender o motivo desse fenômeno: com as mudanças tecnológicas e
com as mídias sociais, o cliente nunca teve tanta voz quanto atualmente. Um estudo mundial da Gartner Group mostra que:
• 80% dos consumidores afirmam que a experiência é um fator decisivo no momento de escolha de um produto ou serviço;
• 87% dos consumidores garantem que as experiências passadas os ajudam a escolher o produto ou serviço a ser consumido no futuro;
• 78% dos consumidores dizem que pagariam mais por um produto ou serviço se tivessem experiências encantadoras e memoráveis.
Na área da saúde, não é diferente: a experiência vivenciada pelos pacientes os ajuda a escolher os profissionais e as instituições de saúde, quando existe a possibilidade de escolha. No entanto, no Brasil, ainda há muita dificuldade em entender que o paciente também é cliente. O termo cliente remete diretamente a relações de consumo e é no mínimo estranho imaginar esse tipo de vínculo no setor.
Nos Estados Unidos, esse entendimento é usual. Em artigo publicado na Health Affairs, James C. Robinson e Paul B. Ginsburg analisam a evolução da assistência à saúde orientada para o consumidor. Os pesquisadores mostram os fatores que influenciaram a mudança de comportamento dos pacientes, entre eles:
• Influência das mídias sociais, que possibilitam acesso a informações antes de domínio apenas dos profissionais. Com mais informação, pacientes tornam-se mais engajados e influenciadores;
• Possibilidade de comparação de tratamentos e de resultados para a escolha dos profissionais e das instituições de saúde;
• Aumento de conscientização sobre as patologias ─ o health literacy. Ou seja, a capacidade dos indivíduos de obter, processar e compreender informações para tomar decisões de saúde adequadas vem melhorando;
• Capacitação para o autocuidado;
• Modelo de decisão compartilhada. Cada vez mais os médicos estão dividindo a decisão dos tratamentos com os pacientes;
• Exigência de transparência nas informações sobre as organizações de saúde (publicação de indicadores clínicos, financeiros, de qualidade, segurança e satisfação do paciente).

COMO O MOVIMENTO DE EXPERIÊNCIA DO PACIENTE COMEÇOU?

Nos Estados Unidos

O movimento iniciou-se nos anos 1980, inspirado por demandas de consumidores e defensores dos direitos dos pacientes para reconhecer, compreender e melhorar a experiência em um sistema de saúde com recursos cada vez mais escassos e em crescente judicialização.
Nos anos 2000, o governo criou o Hospital Consumer Assessment of Healthcare Providers and Systems (HCAHPS).
Trata-se de uma pesquisa de experiência, desenvolvida cientificamente, com perguntas que abordam questões comportamentais, de comunicação, de avaliação do cuidado e de gerenciamento da dor, entre outras. O desempenho do prestador de serviços é publicamente divulgado, e o seu pagamento está vinculado a essa métrica. Com os resultados divulgados em sites como o Hospital Compare (medicare.gov/hospitalcompare), os pacientes utilizam essas informações para escolher os recursos de saúde quando precisam utilizá-los.
O impacto da experiência do paciente no pagamento dos prestadores obrigou a alta liderança das instituições de saúde a se preocuparem com o tema e dedicarem recursos para
a melhoria dos serviços. A transparência das informações passou a impactar a reputação organizacional.


Na Europa

No contexto em que o principal ator do cuidado é o Estado, como no caso da Europa, a perspectiva da experiência do paciente difere da abordagem estadunidense. Um dos sistemas mais reconhecidos do continente é o National Health Service, ou NHS, no Reino Unido. De acordo com o NHS National Quality Board (NQB), os elementos críticos para que os pacientes tenham uma
experiência positiva nos serviços do NHS são:
• Respeito pelos valores, pelas preferências e necessidades do paciente;
• Coordenação e integração de cuidados;
• Informação, comunicação e educação (o que é conhecido como empoderamento, em inglês empowerment);
• Conforto físico;
• Suporte emocional;
• Envolvimento de familiares e amigos;
• Transição e continuidade do atendimento;
• Acesso ao atendimento.
O conceito do que é experiência é muito amplo e abordado de formas distintas pelos modelos europeu e americano. Na Europa, os cuidados sob a responsabilidade do Estado (modelo
britânico) são mais voltados para a humanização, enquanto a abordagem privada (prevalecente nos Estados Unidos) está mais focada na satisfação e na saúde percebida como consumo. Embora ambas as abordagens priorizem os desfechos clínicos (resultado final do tratamento), enfatizem a qualidade do atendimento e levem em consideração as preferências e necessidades dos pacientes, é evidente a diferença cultural.
A abordagem dos Estados Unidos é mais comercial, projetada para a fidelização e a conversão dos pacientes como divulgadores do serviço de saúde. A abordagem europeia contém valores claros de humanização, como o empowerment e o apoio emocional. O propósito é atuar em prevenção; quanto mais saudáveis, menos as pessoas precisarão utilizar a atenção terciária, que são recursos mais caros em saúde.

O QUE REALMENTE IMPORTA PARA O PACIENTE?

De acordo com pesquisa realizada pelo King’s College London com o The King’s Fund, a pedido do Departamento de Saúde da Inglaterra e do NHS Institute, os pacientes afirmam
que querem ser “tratados como pessoas, e não como números”. Os aspectos relacionais importam muito para os pacientes.
Eles preocupam-se com sua experiência de cuidado tanto quanto com a eficácia clínica e a segurança, que estão ligadas aos aspectos funcionais. Querem se sentir informados, apoiados e ouvidos (aspectos relacionais), para que possam tomar decisões e escolhas significativas sobre seus cuidados.

E NO BRASIL?

O Brasil está em uma fase inicial de desenvolvimento da experiência do paciente. As instituições de saúde estão tentando entender o que é experiência e como esta pode trazer resultados
tanto clínicos quanto financeiros. Os gestores de serviços de saúde ainda confundem experiência com satisfação. Muitos acreditam que“humanizar” o atendimento ou somente satisfazer ao
paciente em função de suas demandas é o que importa. Humanizar o atendimento é extremamente importante, mas não é só isso que conta. A Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde (HumanizaSUS) existe desde 2003 para efetivar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) no cotidiano das práticas de atenção e gestão, incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.

Nos Estados Unidos, prestadores de serviço são pagos a partir de indicadores da experiência do paciente, o que obrigou a alta liderança das instituições de saúde a se preocupar mais com o tema.


Os termos satisfação e experiência do paciente são frequentemente usados indistintamente, mas não significam a mesma coisa. A satisfação refere-se às expectativas de um paciente sobre o serviço de saúde. Duas pessoas que recebem exatamente o mesmo tratamento, mas que têm expectativas diferentes, podem atribuir classificações distintas ao serviço prestado.
Já a experiência se refere não a expectativas, mas a avaliações da qualidade dos cuidados de saúde e inclui aspectos como o acesso fácil à informação, a forma de resposta às solicitações, o tratamento respeitoso, a escuta sobre as necessidades do paciente e o atendimento a valores individuais atendidos.
As técnicas para medir a experiência estão sendo refinadas e há pouca dúvida de que o tema deve permanecer uma preocupação central nos cuidados de saúde. Existe uma determinação mundial em entregar “valor” a todos os envolvidos na área. Assumindo que valor em saúde é definido como o resultado que faz diferença para o paciente em relação ao que foi gasto para a prestação do cuidado, a experiência pode vir a fazer parte dessa equação. No Brasil, o serviço de saúde ainda não é remunerado em função da avaliação da experiência do usuário, mas oferecer educação em saúde e informação e acolhimento para os pacientes deveria ser parte da atividade de todos os profissionais envolvidos na assistência.

Fonte: GV Executivo janeiro/fevereiro 2019