Brasil é referência em atenção primária, mas há
gargalos no acesso a tratamentos complexos
Reconhecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como o maior sistema gratuito e universal do mundo,
o SUS chega aos 30 anos de existência com muitas vitórias e inúmeros desafios, em especial, o de encontrar meios
para garantir a sua sustentabilidade.
O tema foi debatido na quinta edição do Fórum Saúde do Brasil, realizado pela Folha, nesta segunda-feira (23),
com patrocínio da Amil e da Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios).
“O SUS é uma conquista da população que não pode ser desprezada. Ele aumentou o acesso dos brasileiros à
saúde de uma forma impensável 30 anos atrás”, afirma Ana Maria Malik, que é coordenadora do GVsaúde,
programa de gestão em saúde da Fundação Getulio Vargas.
Hoje, sete em cada dez brasileiros dependem exclusivamente do sistema público de saúde. O
Programa Nacional de Imunização, responsável por 98% do mercado de vacinas do país, é um dos destaques.
O Brasil garante à população acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela OMS.
Também é no Sistema Único de Saúde que funciona o maior modelo público de transplantes de órgãos do
mundo.
Mais de 90% dessas cirurgias realizadas no país foram financiadas pelo SUS. Os pacientes possuem
assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, operação, acompanhamento e medicamentos
pós-transplante.
O sistema dá ainda assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV,
doentes de Aids, pacientes renais crônicos, com câncer, tuberculose e hanseníase.
O programa ESF (Estratégia Saúde da Família), criado oficialmente em 1994, também é objeto de
reconhecimento internacional.
“O Brasil é referência para qualquer país que queira aprender sobre atenção primária”, afirmou o inglês
Thomas Hone, pesquisador no Imperial College of London e que estuda sistemas universais de saúde.
Pesquisas demonstraram que a expansão da atenção primária teve impacto na redução de mortes infantis,
doenças cardiovasculares e doenças infecciosas, entre outras.
O ESF tem diretrizes federais que especificam áreas estratégicas a serem atacadas, como por exemplo
hipertensão, diabetes, tuberculose e saúde de mulheres e crianças.
Mas o programa está estagnado, principalmente nos grandes centros urbanos, com uma cobertura
média de 65%.
“As pesquisas mostram o quanto o país poderia ganhar se tivéssemos uma cobertura universal, de 100%,
com número de equipes e de insumos necessários”, afirma Thiago Trindade, presidente da SBMFC
(Sociedade Brasileira de Medicina de Família e de Comunidade).
O modelo tem inspirado planos de saúde a mudar a forma de assistência, que hoje é concentrada em
especialistas e hospitais.
“Nossos alunos frequentam postos de saúde e unidades de atenção básica desde o início do curso,
como forma de estimular o interesse pela carreira na área de medicina de família”, diz Sidney Klajner,
presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que tem uma
faculdade de medicina.
Se por um lado, o país teve ganhos na atenção primária, persiste o gargalo no acesso a tratamentos de
média e alta complexidade, sempre com longas filas de espera.
Parte do problema reside na desorganização da rede de saúde, segundo diagnóstico de Marco Akerman,
professor titular do departamento de política, gestão e saúde da faculdade de saúde pública da USP.
“No Brasil, continuamos tratando a fila por ordem de chegada e, dessa forma, não atendemos os pacientes
mais vulneráveis primeiro”, disse Akerman, durante o fórum.
Uma atenção primária mais resolutiva conseguiria solucionar até 80% das demandas em saúde,
o que reduziria a necessidade por especialistas, de acordo com a estimativa do pesquisador Hone,
do Imperial College of London.
No Reino Unido, segundo ele, há uma forte regulação que determina em quais cidades e regiões
os médicos devem ser alocados para evitar a falta de mão de obra e a longa espera.
Os especialistas são unânimes em citar o subfinanciamento crônico como um dos principais entraves
ao sucesso do SUS.
Por ano, União, estados e municípios investem perto de R$ 240 bilhões no setor, para atender 150
milhões de brasileiros.
A taxa do gasto público com saúde no Brasil é um pouco mais da metade da média mundial
(6,8% contra 11,7%), segundo os dados da OMS.
A maior parte dos gastos do brasileiro com saúde (53%) sai de suas próprias economias
(pagamento de planos de saúde, consultas particulares e compra de remédios). A média mundial é de 39%.
Para Mario Scheffer, professor do departamento de saúde preventiva da USP, o SUS, nascido com
a Constituição de 1988, nunca foi adequadamente financiado, o que limita a sua expansão e melhoria.
E a situação deve piorar ainda mais com a Emenda Constitucional 95, de 2016, que estabelece teto de
gastos e congelará os investimentos em saúde, educação e assistência social pelos próximos 20 anos.
Fonte: www.folha.com.br