É nababesco o desperdício de exames no Brasil. No consultório, canso de ouvir a frase: “Doutor, já que vou colher sangue, pede todos os exames, tenho plano de saúde”. Nos atendimentos na Penitenciária Feminina de São Paulo, a mesma solicitação, com a justificativa: “Tenho direito, é o SUS que paga”.
Fico impressionado com o número de exames inúteis que os pacientes trazem nas consultas. Chegam com sacolas abarrotadas de radiografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e uma infinidade de provas laboratoriais que pouco ou nada contribuíram para ajudá-los.
Num dos grandes laboratórios da cidade, mais de 90% dos resultados caem dentro da faixa de normalidade. Numa das operadoras da Saúde Suplementar, pelo menos um terço das imagens realizadas junta pó nas prateleiras, sem que ninguém se dê ao trabalho de retirá-las.
Líbero/Líbero/Editoria de Arte/Folhapress | ||
São múltiplas as causas dessas distorções. Nas consultas-relâmpago em ambulatórios do serviço público e dos convênios, os médicos se defendem pedindo exames que poderiam ser evitados caso dispusessem de mais tempo para ouvir as queixas, o histórico da doença e examinar os pacientes.
Para solicitar ultrassom ou tomografia para alguém que se queixa de dores abdominais, basta preencher o pedido. Dá menos trabalho do que avaliar as características e a intensidade da dor, os fatores de melhora e piora, e palpar o abdômen com atenção.
Como regra, o paciente sai da consulta confiante de que as imagens revelarão o que se passa no interior de seu organismo com muito mais precisão do que o médico seria capaz de fazê-lo.
O problema é que muitas vezes o exame será marcado para semanas ou meses mais tarde, porque os serviços de imagem ficam sobrecarregados com o excesso de demanda. A demora prejudicará sobretudo aqueles em que há urgência para chegar ao diagnóstico, deixados para trás pela enxurrada de pedidos desnecessários.
As operadoras de saúde, que hoje se queixam da infinidade de exames subsidiários que encarecem as contas a pagar, esquecem que até há pouco faziam comerciais na TV que mostravam resgates por helicóptero e exibiam aparelhos de ressonância para convencer os usuários de que ofereciam serviços de qualidade.
Nós, médicos, colaboramos decisivamente para aumentar o custo da medicina: é de nossos receituários que partem as solicitações. Fazemos a vontade dos que nos pedem “todos os exames”, pedimos provas laboratoriais sem pensar na relevância para o caso e nos damos ao luxo de solicitar exames e prescrever medicamentos sem ter noção de quanto custam.
Nas faculdades de medicina ninguém fala de dinheiro. Os estudantes não recebem noções elementares de economia e o preço dos tratamentos é ignorado como se vivêssemos em outro planeta.
Nos hospitais-escola, o descompromisso com a realidade econômica é universal. Com o argumento de que os internos e residentes precisam aprender, ficam justificadas as imagens mais exóticas e a repetição diária de dosagens de íons, provas de função renal e hepática, hemogramas, glicemias e o que mais passar pela cabeça dos plantonistas das UTIs e das unidades semi-intensivas.
É preciso entender o óbvio: os recursos públicos destinados à saúde são insuficientes. Eles não vêm do governo, saem dos impostos pagos por nós. Cada vez que somos atendidos pelo SUS, fazemos uso de uma parte do dinheiro que é de todos, e se o gasto for exagerado muitos ficarão em desvantagem. É bem provável que sejam os mais necessitados.
Nos planos de saúde acontece o mesmo, com uma diferença: o preço da mensalidade aumenta para todos. É simples assim. Hoje, os gastos com saúde das empresas constituem a segunda despesa mais alta do orçamento anual, só perdem para a folha de pagamento.
O SUS e a Saúde Suplementar estão diante do mesmo desafio: como reduzir os custos. Sem fazê-lo, ambos sistemas se tornarão inviáveis antes do que imaginamos.
A viabilidade do SUS e da Saúde Suplementar não será alcançada por meio de ideologias, mas com medidas práticas que reduzam os custos da assistência médica e com intervenções preventivas para evitar que as pessoas fiquem doentes.
Dr. Drauzio Varella
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