A residência médica, conforme preceitua a lei 6.931/81, art. 1º: “constitui modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional.”
A finalidade da residência médica é educacional, na qual envolve a teoria e a prática que caminham juntas para o aperfeiçoamento do estudante.
Para tanto, distribui-se o programa a ser cumprido e devidamente registrado na Comissão Nacional de Residência Médica – CNRM, conforme a duração do curso e cuja jornada semanal é de 60 horas (art. 4º, lei 6.932/81).
Durante o cumprimento desta jornada, o médico residente deve desenvolver atividades exclusivas e específicas do programa de residência médica que está vinculado.
Qualquer outra atividade que fuja deste programa fulmina o objetivo da residência médica que é o treinamento em serviço, portanto, a formação do médico será inadequada, caracterizará o desvirtuamento do curso e poderá culminar no seu descredenciamento junto ao Ministério da Educação e Cultura – MEC.
Não pode haver outras relações jurídicas do médico residente na e/ou com a instituição, juntamente com a residência médica durante a carga horária de 60 horas semanais e no período de duração do referido curso.
Prestação de serviços do médico residente também como médico plantonista
A lei não impõe dedicação exclusiva do médico ao programa do curso de residência médica.
Como já exposto acima, não pode haver concomitância de atividades: residência médica e outra atividade, mas fora da jornada estipulada do curso de residência médica não há impedimento legal para o trabalho do médico, na mesma instituição ou em outra.
O fato de não haver impedimento legal não significa que seja recomendável.
Isso porque a jornada semanal de 60 horas é inegavelmente extenuante. E, neste contexto, há que se perquirir se terá o médico condição física, mental e psicológica de bem desenvolver o seu mister além da 60ª hora. Vale dizer, atender os pacientes com dignidade, respeito, prudência, diligência, atenção e perícia.
Eis um dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica – CEM: “II – O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.” (destaquei)
Não se pode olvidar que a responsabilidade civil decorrente do erro médico também alcança o médico plantonista e o médico residente[1], na medida da sua imprudência, imperícia ou negligência, logicamente com a configuração conjunta do dano e do nexo de causalidade, sem prejuízo de igualmente envolver o serviço de saúde numa eventual condenação.
No aspecto ético, o CEM impõe que: “As organizações de prestação de serviços médicos estão sujeitas às normas deste Código” (Anexo – Preâmbulo, II), o que significa dizer que deve a instituição de saúde zelar pelo bom andamento da atividade médica e observância às suas disposições.
Entendimento dos tribunais
A jurisprudência abaixo (TJSC, AC 635086 SC 2007.063508-6) demonstra que o médico residente deve responder por atos executados durante a residência. Afastou-se a condenação porque não foi demonstrada a sua culpa:
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. SENTENÇA QUE RECONHECE A ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MÉDICO RESIDENTE. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO. DIPLOMAÇÃO EM MEDICINA QUE GARANTE DIREITOS E IMPÕE RESPONSABILIDADES. DECISÃO REFORMADA. PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO (ART. 515, § 3º, CPC). AUSÊNCIA DE PROVA DO COMETIMENTO DE ERRO GROSSEIRO NO ATENDIMENTO PRESTADO, NÃO RESTANDO EVIDENCIADO, DO MESMO MODO, QUE A CONDUTA DO ESCULÁPIO TIVESSE AGRAVADO O QUADRO CLÍNICO DO AUTOR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA À PARTE AUTORA. ART. 333, INC. I, CPC. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO.
“O médico residente é médico como outro qualquer, tanto que, para o exercício de suas funções no programa de treinamento, é exigido dele vínculo com o Conselho Regional de Medicina e, dessa maneira, tem de seguir as suas normas e a elas está sujeito”. (MORAES, Irany Novah. ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5. ed., 2003, p. 573). Se o facultativo agiu com zelo e precauções, não impondo nenhuma prática grosseira ou destoante da ortodoxia médica recomendada para a situação clínica que lhe apresentava, não há que ser proclamada a hipótese de erro passível de gerar qualquer pleito indenizatório.
Quanto ao médico plantonista, selecionamos o seguinte julgado (TJSC, Processo: 2011.093874-1 (acórdão):
RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO.
ALEGADO VÍCIO NA SENTENÇA POR JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA QUE SE LIMITOU AOS PEDIDOS DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 460 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Inexiste julgamento extra petita quando o magistrado respeita os limites dos pedidos nos termos da petição inicial.
CESARIANA DE EMERGÊNCIA. GENITORA DA AUTORA QUE DEU ENTRADA NO HOSPITAL MUNICIPAL COM RUPTURA DE BOLSA E A PRIMEIRA TENTATIVA DE PARTO NORMAL SOMENTE FOI INICIADA NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE. MÉDICO PLANTONISTA QUE, APÓS 3 HORAS DE TENTATIVA DE PARTO, DECIDIU TRANSFERIR A GENITORA PARA O MUNICÍPIO VIZINHO PORQUE CONSTATOU QUADRO EMERGENCIAL. AUTORA RECÉM-NASCIDA QUE SOFREU ANOXIA NEONATAL GRAVE, CONVULSÕES, INGESTÃO DE MECÔNIO E BRONCOPNEUMONIA, COM POSTERIOR DIAGNÓSTICO DE PARALISIA CEREBRAL PROVOCADOS PELO PARTO PROLONGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA AUTARQUIA MUNICIPAL E DO MUNICÍPIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO E NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE ESTE E A OMISSÃO COMPROVADOS. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 186 E 951 DO CÓDIGO CIVIL. CULPA EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.Cabe, portanto, a reflexão e a avaliação dos riscos pelo próprio médico residente e também pela instituição de saúde/ensino, sobre a manutenção de dois (ou mais) vínculos jurídicos com o profissional: residência e plantão.
O médico e a instituição de saúde/ensino devem avaliar os riscos e os benefícios em relação à existência de um (ou mais) vínculo jurídico, além da residência, entre ambos.
Há cousas que se não ajustam nem combinam.
Machado de Assis
[1] Em que pese ter encontrado jurisprudência do TRF 4, num julgado de 2000, que reconheceu a responsabilidade exclusiva do preceptor (EDAC 9704718276).
Fonte: www.saudeweb.com.br
A Prática Médica sob a Visão Jurídica